segunda-feira, 13 de abril de 2009

Os Pombos da Rua

Hoje eu acordei mais cedo. Antecipei o meu antigo despertador de sino que descansa sobre o criado-mudo há quarenta e cinco anos. Ganhei de presente da minha cunhada, aniversário de casamento. Como costume, acordo todos os dias às cinco e quinze da manhã, antes dos galos cantarem. Desde que me aposentei é assim. Outro dia, um vizinho, garoto, gritou pela janela - Quem é o louco que bota o despertador todo dia essa hora?! Eu fiquei quieto, apenas dei uma risada pra mim mesmo. Desde a partida da minha falecida esposa, eu faço isso. Acordo às cinco, procuro meus óculos para parar o despertador, sento na cama, ligo o rádio, pego o livro que estiver lendo, e me preparo pra sair de casa às seis em ponto. A caminho da praça, passo pela loja de iguarias árabes e compro um punhado de milho. Antes passo no bar pra tomar meu pingado e meu pão com manteiga de cada dia. O Ferreira e seus amigos me olham com cara de pena. Devem pensar que sou um coitado que não tem família. Não me aproximo desses palermas. Me direciono todos os dias ao mesmo banquinho pra dar milho aos pombinhos. São grandes amigos. Tenho certeza que pelo menos uns quinze ou vinte vêm todo santo dia. Tem aquele gordinho preto, tem o marrom e branco, que é manco da pata direita, e um que se parece comigo, solitário, ele é todo branco e vem sempre voando sozinho do alto à esquerda. Tem também um cegueta, um estressado, um sempre bem humorado, e um com o bico inchado que tá sempre apressado. Quase todos correm. Muitos têm anomalias. Alguns com a postura ereta, parecem fêmeas bem femininas que evitam tocar os machos ao ciscar a batalhada comida. Tenho uma estratégia: jogo um grão e espero vir o primeiro. E assim aumento gradativamente a quantidade de milho jogado, é um ótimo exercício de observação. Noto que quando um percebe, mesmo que os outros bem longe estejam, percebem rapidamente. Um passa para o outro, e quando vejo, tem dezenas, centenas... Nem todos se relacionam bem. Uns brigam selvagemente, trapaçeam, roubam, e assim mesmo mantêm a classe. Observo a natureza. Fico lá até mais ou menos meio-dia e meia, quando as criancinhas vêm correndo da escola e dispersam meus queridos amigos de todo dia. De vez em quando jogo xadrez. Jogo por algumas horas, com o pessoal do Clube Francês. Até começar a ver pombos em meus colegas de mesa. E quando passa aquela senhora do 703, mais ou menos às vinte pras três, é o momento para me levantar, pegar um café no Café Palheta, e encontrar a minha Preta.

2 Comentários:

Blogger Armindo Guimarães disse...

Ena, pá!

Que maravilha!

Fiquei colado ao conto.

Impressionou-me a pintura dos pombos e a surpresa final de ver neles os colegas de mesa. Com um sentido humorista imaginei-me no lugar do autor a ver o Zeca manco da pata direita, o Toninho cegueta, o Mário stressado e o Jorge sempre apressado.

Realismo à flor da pele!

Adorei.

Abraço

13 de abril de 2009 às 15:43  
Blogger Rounds disse...

visualizei belas imagens!

bacana.

obrigado pela visita no on the rocks.

vou te linkar.

abs

14 de abril de 2009 às 14:32  

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